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Tecnologias e docência: relatórios da OCDE apontam desafios

Integrar a educação às tecnologias da informação e comunicação (TICs) tornou-se um tema central em 2020, tendo em vista os desafios instaurados a partir da pandemia da Covid-19.

A presença de recursos tecnológicos nos currículos de formação e em programas de capacitação profissional continuada tende a favorecer a adoção das TICs em sala de aula, bem como a existência de um ambiente escolar receptivo e encorajador diante de iniciativas propostas por seus professores. Contudo, mudanças na rotina docente e demandas por domínio de novas ferramentas podem se tornar um desafio ainda maior quando considerados os níveis de satisfação com a profissão e sua remuneração, questões em que o Brasil apresenta índices bastante baixos em comparação a outros países.

As informações são da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), analisadas nos relatórios Education at a Glance 2020 e Teachers’ training and use of information and communications technology in the face of the COVID-19 crisis, que incluem dados sobre remuneração, condições de trabalho, capacitação, perfil e principais desafios para manter a carreira docente atrativa para jovens profissionais.

O uso das TICs é tratado especificamente no segundo relatório, que ajuda a delinear a importância do treinamento dos professores para a utilização dessas ferramentas, seja no dia a dia da sala de aula ou em cenários emergenciais. Nesse documento, a OCDE usa como base os dados da Teaching and Learning International Survey (TALIS) 2018. Embora contemplem um cenário anterior à pandemia da covid-19, eles são recentes o suficiente para compreendermos o quanto a mudança para o ensino remoto afetou professores e escolas em todo o mundo, consolidando uma demanda por inclusão de TICs na sala de aula que já se fazia presente.

Já o documento Schooling, disrupted, schooling rethought: How the Covid-19 pandemic is changing education, também produzido pela OCDE, em parceria com a Universidade de Harvard, apresenta um balanço da educação remota durante o fechamento das escolas e as alternativas em termos de tecnologias e ferramentas empregadas por professores e alunos para garantir a continuidade do ensino.

Desenvolvimento profissional e formação para uso de tecnologias

Como no Brasil e nos demais países-membros e parceiros da OCDE, a carga horária dos professores é dividida entre as atividades em sala de aula e aquelas que ocorrem distante dos alunos, mas não necessariamente fora do ambiente escolar – por exemplo, preparação de aulas, correção de atividades, reuniões pedagógicas e treinamentos. O Education at a Glance 2020 aponta que a distribuição dessas horas de trabalho varia consideravelmente entre os países, mas sustenta que uma maior proporção da carga horária dedicada exclusivamente ao ensino pode indicar menos tempo na avaliação dos alunos e em pesquisa para aulas. A execução dessas atividades extraclasse acaba ocorrendo, não raro, no tempo livre dos professores.

O desenvolvimento de habilidades relacionadas à docência, sobretudo a capacitação para novas tecnologias, tem se mantido entre as principais demandas em um cenário de adaptação do ensino presencial para o remoto em razão da pandemia. O relatório Teachers’ training and use of information and communications technology in the face of the COVID-19 crisis relaciona experiências positivas do ensino remoto durante o fechamento das escolas com o preparo e a prática dos professores no uso TICs em sala de aula.

Para analisar esse cenário pré-pandemia, o documento apresenta dados do TALIS 2018, segundo o qual pouco mais da metade (53%) dos professores de anos finais do Ensino Fundamental dos países da OCDE relataram permitir “sempre” ou “com frequência” que seus alunos utilizem TICs em sala de aula. O relatório, ao cruzar os dados relativos à formação inicial desses professores com os programas de formação continuada, aponta esses dois fatores como significativos para a adoção de ferramentas tecnológicas em classe. Quando as TICs aparecem incluídas na formação dos profissionais, seja no Ensino Superior ou em programas de capacitação, o uso dessas ferramentas como recursos didáticos em sala de aula torna-se maior.

O gráfico a seguir apresenta o índice de propensão de professores, do Brasil e de alguns países da OCDE, em permitir as TICs em sala de aula “sempre” ou “frequentemente” em dois cenários diferentes: quando a utilização de tecnologias está incluída na formação docente e quando aparece em programas recentes de capacitação. Índices acima de 1 apontam uma propensão para a aplicação das tecnologias.

Fonte: Teachers’ training and use of information and communications technology in the face of the COVID-19 crisis. Figura 1.

Para além da formação dos docentes, o ambiente escolar tem sua relevância na função de incentivar ou inibir o uso de TICs por professores e estudantes. Segundo o mesmo estudo da OCDE, escolas que encorajam seus profissionais a liderar novas iniciativas oferecem um ambiente mais propício para a integração das TICs com a prática em sala de aula.

O contato com essas tecnologias mostrou-se essencial no momento de transição do ensino presencial para o remoto durante o fechamento das escolas. Segundo o estudo Schooling, disrupted, schooling rethought, também produzido pela OCDE em parceria com a Universidade de Harvard, as plataformas on-line foram as ferramentas mais utilizadas por professores e alunos durante o período em que a educação presencial foi interrompida. Essa transição abrupta e emergencial para o ensino remoto penalizou sobremaneira estudantes e professores sem familiaridade com as TICs, principalmente, no caso dos primeiros, aqueles que não puderam contar com o suporte de familiares ou responsáveis na adaptação e disponibilização de recursos para a continuidade de seus estudos em outra modalidade de ensino.

Por sua vez, o relatório Teachers’ training and use of information and communications technology in the face of the COVID-19 crisis reforça a necessidade não apenas de inserir esses conteúdos nos cursos de formação dos professores, mas também de aumentar o espaço que ocupam nos programas de desenvolvimento e capacitação contínua. A implementação de políticas educacionais que promovam na escola um ambiente receptivo a práticas pedagógicas inovadoras também deve ser considerada, sobretudo em um momento no qual o ensino remoto deve permanecer como alternativa ou complemento ao ensino tradicional por algum tempo.

Remuneração dos professores na Educação Básica

Outro tópico abordado pelo Education at a Glance 2020 é o salário dos professores entre os países membros e parceiros da OCDE. Eles variam, principalmente, de acordo com o nível de ensino ao qual o docente se dedica, a qualificação profissional e o tempo de experiência.

A remuneração dos professores exerce grande influência na atratividade da profissão, desde a escolha por licenciaturas na passagem para o Ensino Superior até o desejo dos profissionais já experientes em permanecer na docência ou abandoná-la em busca de outras oportunidades. Quando analisados os salários iniciais, o Brasil ocupa a última posição em comparação com outros 38 países-membros e parceiros da OCDE, condição que traz um forte impacto no nível de satisfação dos profissionais em relação à remuneração. De acordo com o relatório, apenas cerca de 14% dos professores brasileiros estão satisfeitos com a sua remuneração. Comparativamente, a porcentagem de satisfação de professores chilenos com a remuneração é de cerca de 39% e dos dinamarqueses, de 71%.

Para se ter uma ideia da discrepância entre a remuneração dos profissionais brasileiros e a de outros países no campo da educação, o gráfico a seguir mostra uma comparação do salário inicial anual de professores dos anos finais do Ensino Fundamental no Brasil com o de alguns países-membros da OCDE.


Fonte: Education at a Glance 2020. Tabela D3.1.

 Perfil docente

Também é importante saber qual é o perfil dos professores. Para isso, os dados do TALIS 2018, analisados no relatório Education at a Glance 2020, oferecem um panorama sobre a profissão docente a partir de informações sobre distribuição por idade e gênero dos profissionais que estão em sala de aula.

Em média, nos países-membros e parceiros da OCDE, quando avaliados conjuntamente todos os níveis de ensino, da Educação Infantil ao Ensino Superior, cerca de 70% dos professores são mulheres. Esse dado, no entanto, torna-se mais elucidativo quando dividido pelas etapas, demonstrando, na verdade, que há uma grande variação na participação feminina em cada caso. Na Educação Infantil, por exemplo, a porcentagem de professores mulheres alcança 96% da categoria, participação que se reduz progressivamente nas etapas seguintes: anos iniciais do Ensino Fundamental (82%), anos finais do Fundamental e Ensino Médio (60%) e Ensino Superior (44%).

O relatório mostra ainda uma defasagem de professores jovens, que são aqueles com até 30 anos de idade, de acordo com o critério utilizado na pesquisa. Entre a população docente média analisada, os professores jovens são cerca de 12% nos anos iniciais e 10% nos anos finais do Ensino Fundamental, e 8% no Ensino Médio. O documento ressalta que esses números são bem menores em alguns países, como República Tcheca, Dinamarca, Itália e Portugal, nos quais os profissionais abaixo dos 30 anos representam menos de 5% dos professores dos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio.

O gráfico a seguir apresenta esses dados de forma agregada no que diz respeito ao Brasil e à média dos países-membros da OCDE.

Fonte: Education at a Glance 2020. Tabelas D5.1 e D5.3.

Como é possível perceber, em ambos os cenários, por gênero e idade, a média do Brasil é quase a mesma de outros países da OCDE, com cerca de 70% da população docente de mulheres, consideradas todas as etapas de ensino, e aproximadamente 11% de profissionais abaixo dos 30 anos em todos os níveis.

O baixo índice de professores jovens em todo o mundo deve ser considerado sempre que forem pensadas estratégias para a implementação de políticas públicas relacionadas ao uso de novas tecnologias. Os números também revelam os desafios de tornar a carreira docente mais atrativa aos recém-formados, além de trazer uma reflexão sobre a diversidade de gênero, principalmente nos anos iniciais da Educação Básica, em que há uma prevalência de mulheres ainda maior.